Merz: “Alemães preguiçosos deveriam seguir o exemplo dos gregos”
Exemplo dos gregos mais trabalhadores! É o que afirma já no título o Instituto da Economia Alemã (IW) em seu mais recente comunicado à imprensa, segundo o qual os gregos trabalhariam, em média, 135 horas a mais por ano do que os alemães.
Isso traz à memória a campanha difamatória do jornal Bild nos anos 2010 contra os supostamente preguiçosos e ainda por cima “gananciosos” “gregos falidos”. As narrativas mudam conforme a conveniência. Para o chanceler Friedrich Merz, agora, de repente, “os alemães” são especialmente preguiçosos. E o fato de ele exigir que trabalhem mais e por mais tempo é considerado absolutamente correto pelo instituto neoliberal IW.
Segundo os dados, pessoas entre 15 e 64 anos em idade ativa trabalham, em média, 1.036 horas por ano na Alemanha. Isso seria pouco em comparação com outros países ocidentais: os gregos alcançam 1.172 horas, os poloneses 1.304, e a Nova Zelândia lidera com 1.400 horas anuais por pessoa.
Apesar da tecnologia: jornada de trabalho cresce em todo lugar
Os ideólogos neoliberais celebram países europeus onde, segundo seus cálculos, o número de horas de trabalho por pessoa cresceu significativamente desde 2013. Na Polônia, o aumento foi de 23%; na Grécia, 21%; na Espanha, 15%; e na Tchéquia, 11%. Na Alemanha, o aumento foi bem mais modesto: apenas 2,3% desde 2013.
Ou seja, a jornada de trabalho não diminuiu, como seria de se esperar com todo o avanço tecnológico — muito pelo contrário, ela aumentou em todos os lugares. O prometido e tão esperado ganho de tempo livre simplesmente não aconteceu em mais de um século.
A questão não é o trabalho, e sim o trabalho assalariado
É preciso olhar com mais atenção: o cálculo das horas de trabalho é feito de forma geral para toda a faixa etária entre 15 e 64 anos. Aos 15 anos, a maioria na Alemanha ainda está na escola. O diploma de ensino médio se obtém com 16 ou 17 anos, o Abitur (pré-universitário), entre 18 e 20. Depois, seguem-se o estudo ou a formação profissional. Esses jovens ainda nem estão inseridos no mercado de trabalho formal.
Ficam também de fora pessoas em requalificação ou que realizam trabalho de cuidado (care work), como cuidar de familiares ou criar filhos. Esse trabalho, embora essencial e exaustivo, não é remunerado nem reconhecido como "trabalho real" numa sociedade centrada na lógica do emprego assalariado.
Além disso, segundo o Ministério do Interior da Alemanha, quase 29 milhões de pessoas fazem trabalho voluntário, em clubes esportivos, organizações sociais e culturais, e até nas Tafel (bancos alimentares). Um enorme volume de trabalho não remunerado, sem o qual a paz social provavelmente estaria ameaçada — mas que, ainda assim, não conta como “trabalho de verdade”.
Quando os neoliberais fazem campanha moralista por “mais trabalho”, o que realmente querem é mais trabalho assalariado.
Comparação internacional distorcida
Claro que em países mais pobres — especialmente nos chamados países em desenvolvimento — a situação é diferente. Muitos jovens de 15 anos não podem se dar ao luxo de estudar; precisam trabalhar o dia todo para ajudar a sustentar a família. A pobreza impede o acesso à educação, o que atrasa a inovação, trava o crescimento econômico e aumenta a criminalidade. Isso é evidente no Sul Global, mas também em partes do Sul e Leste europeu.
Vale lembrar: trabalhadores migrantes empobrecidos da Romênia, Bulgária, Polônia, Espanha, Grécia ou dos países bálticos hoje realizam grande parte do trabalho pesado nas obras da Alemanha. Em seus países de origem, os salários são ainda mais baixos. Não é à toa que empresas de armamento alemãs como a Rheinmetall estão abrindo fábricas no Leste Europeu — os custos trabalhistas são menores e as normas legais mais flexíveis.
Não se sabe se o IW levou esses trabalhadores migrantes da UE em conta nos seus cálculos. Mas uma coisa é certa: a comparação entre os países é altamente distorcida. Parece até que o objetivo político é rebaixar os padrões dos trabalhadores assalariados.
Países industriais com setores de salário mínimo
A terceirização do trabalho sujo para países mais pobres com piores condições e salários continua sendo popular entre corporações e políticos ocidentais. Mas essa prática tem seus limites: os custos de transporte aumentam e, com a exploração excessiva, os consumidores nesses “neocolônias” também param de comprar. Por isso, as empresas precisam manter setores de baixos salários dentro do próprio país.
Há décadas, os países industriais do Ocidente tentam aumentar o número de trabalhadores pobres em seus próprios territórios. Para isso, reduzem padrões sociais, privatizam serviços públicos, e tornam transporte e saúde bens de luxo. E quando nada mais dá lucro, simplesmente deixam de investir — essa é a “lógica” neoliberal.
Contradições do neoliberalismo
A lógica do sistema também se baseia em seu objetivo econômico central: lucros máximos para grandes corporações a qualquer custo. A fonte desses lucros é o trabalho assalariado. Quando a inflação sobe e os salários reais caem, o excedente explorável também diminui. O aumento de preços num país mais pobre não traz mais lucros, porque as pessoas simplesmente não conseguem comprar.
Esse é um ponto-chave para entender por que a jornada de trabalho não diminuiu mesmo com tanta tecnologia: o capital precisa de mais trabalho assalariado para manter a taxa de lucro. Paradoxalmente, essa taxa cai também porque as empresas cortam salários para subir lucros no curto prazo — o que, no longo prazo, diminui o poder de compra e causa o efeito oposto.
Os defensores do mercado livre tropeçam nessas contradições. E, como sempre, sua resposta não é planejar melhor a produção, combater a falta de profissionais com salários mais altos ou eliminar os "empregos inúteis" criados para bajuladores do sistema. A resposta é sempre a mesma: o povo trabalhador que se esforce mais e ganhe menos.
Propostas: cortar aposentadorias e empurrar mães para o tempo integral
Portanto, não surpreende a proposta do IW: acabar rapidamente com a "aposentadoria aos 63" — que na prática já virou aposentadoria aos 65 após 45 anos de contribuição. Isso significa reduzir ainda mais as aposentadorias, principalmente para quem realiza trabalho físico pesado e nem consegue chegar aos 67 anos.
A nova Ministra do Trabalho, Bärbel Bas (SPD), também tem uma ideia: quer aumentar a taxa de emprego entre mães, ou seja, tirá-las da meia jornada e empurrá-las para o tempo integral. A falta de creches e escolas em horário estendido, claro, é ignorada nesse plano.
Trabalhar como “virtude” até cair morto
Está claro que países com economia e trabalho mais planejados, como China e Rússia, mesmo com suas falhas, são mais eficazes até sob critérios capitalistas do que EUA, Reino Unido ou Alemanha. Mas isso não impede os economistas do IW de continuarem pregando seus mitos morais sob o lema: “O mercado resolve tudo”. Planejamento econômico, para eles, é coisa do demônio.
O que já está claro é: com Friedrich (BlackRock) Merz no poder, só os ricos poderão relaxar. O “povão” terá que apertar ainda mais o cinto — e basta olhar os preços absurdos dos alimentos para ver que isso já acontece.
Enquanto Merz e companhia conseguirem vender o trabalho assalariado como a maior das virtudes, o fetiche se mantém, o protesto geral não acontece — e para eles, tudo continua tranquilamente em ordem.